quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O cobre das pombas

O sol não podia mais
comia a gordura rápida
do alto planeta inteiro

uma calculadora praguejava
seus salários que não davam conta
na mesma sombra
onde passarinhos de capuz
limpam um jardim antigo

cavadores se fantasiam
e correm tubos de uma névoa grossa
sob o chão macio

guardas e xamãs
brigam por tabaco
e seus olhos pintados
não veem o ninho de cobre
onde a videira canta seu mantra

pombas marcham sobre a grama
e os piolhos das penas
alimentam o terreno
eles são à prova de seus planos
e fazem desse barro branco
o palanque para seu silêncio


[03/02/2010, jardim da Casa de Rui Barbosa | Rio de Janeiro]

9 comentários:

Adriana Godoy disse...

Gostei muito. As imagens se formam aos poucos, como se estivéssemos lá. Parabéns.

Maria Cintia Thome Teixeira Pinto disse...

Videira canta o mantra...


Excelente. Cria imagens maravilhosas...

Victor Meira disse...

Boa, Heyk. O devaneio dá espaço aa observação, num movimento de zoom pelas camadas físicas e intencionais dos seres vivos - e dos que ganham vida pelo verbo.

O resultado é imagem feita de palavra simples e suave.

Gosto muito do último verso, e da penúltima estrofe toda. Tem uma rede difícil nessa última que reprime a microleitura e te empurra pra a leitura universal. Há um ambiente simbólico entrópico, como uma torre de babel - uma nova proposta imagética a cada verso.

Fico um pouco perplexo. Não sei se na oferta de uma Possibilidade eventual existe a provocação dos sentidos (contemplação). Aliás, desconfio que você confia muito no recurso. :)

C'est ça, mon cheri.
Abração.

...

Ah, e ("é óbvio que"?) a meia dúzia que lê também escreve poesia, já que na prática - dentro desse nosso ambiente virtual - não há a dicotomia entre leitores e escritores de poesia. Afinal, faz-se poesia no ato da leitura, assim como há contemplação no ato criativo.

Leo Curcino disse...

Bacana a cronologia com que as palavras foram fazendo sentido. Começou uma coisa meio lá, meio cá, quase que uma névoa. Dava a entender várias coisas, mas provavelmente, nenhuma delas era de fato.

No fim, eu enxerguei uma bonita forma de contar um caso do dia-a-dia.

Barone disse...

Gostei. Mas tive a impressão de estar lendo uma tradução de Ginsberg.

Joe_Brazuca disse...

um quadro interesante

meio Chagall, meio Dalí...

de qq forma, muito bom

Assis de Mello disse...

Grande poema com ares neobarroco.
Destaco essa passagem:

guardas e xamãs
brigam por tabaco
e seus olhos pintados
não veem o ninho de cobre
onde a videira canta seu mantra

Adorei !!!
Abraço do chico

Victor Meira disse...

Pois é, Assis, é a parte que eu destaquei também.

Heyk disse...

é rapaz: a ideia da leitura universal, fui obrigado a olhar com bons olhos. Quando se torna universal e que passa a ter trânsito livre, passa a circular mais nas mãos nos universais.

sabe, confio mesmo nas transfigurações do cotidiano que uso, observo e invento para propor sensações e imagens, e sons e ritmo.

Vejo coisas normais na rua, e absurdas também. E aí as reconfiguro, estabeleço relações em acontecimentos não relacionados por si mesmos, e atribuo caracteres fantásticos a movimentos banais. E faço isso porque os vejo, porque fantasio o dia. Contemplo e me encanto com as imagens possíveis na ocasião casual.

E o transbordamento de imagens, a video arte em poema, essa já faço faz tempo.

O que tenho conseguido fazer agora, é trazê-las com um vacabulário comunicável, e entortar neologismos só em casos os é possível enxergá-los.

Tenho facilitado a leitura, e abusado da imagem.

e as outras coisas ditas, SÓ TENHO A AGRADECER a cordialidade e incentivo que recebo na casa.