O sol não podia mais
comia a gordura rápida
do alto planeta inteiro
uma calculadora praguejava
seus salários que não davam conta
na mesma sombra
onde passarinhos de capuz
limpam um jardim antigo
cavadores se fantasiam
e correm tubos de uma névoa grossa
sob o chão macio
guardas e xamãs
brigam por tabaco
e seus olhos pintados
não veem o ninho de cobre
onde a videira canta seu mantra
pombas marcham sobre a grama
e os piolhos das penas
alimentam o terreno
eles são à prova de seus planos
e fazem desse barro branco
o palanque para seu silêncio
[03/02/2010, jardim da Casa de Rui Barbosa | Rio de Janeiro]
9 comentários:
Gostei muito. As imagens se formam aos poucos, como se estivéssemos lá. Parabéns.
Videira canta o mantra...
Excelente. Cria imagens maravilhosas...
Boa, Heyk. O devaneio dá espaço aa observação, num movimento de zoom pelas camadas físicas e intencionais dos seres vivos - e dos que ganham vida pelo verbo.
O resultado é imagem feita de palavra simples e suave.
Gosto muito do último verso, e da penúltima estrofe toda. Tem uma rede difícil nessa última que reprime a microleitura e te empurra pra a leitura universal. Há um ambiente simbólico entrópico, como uma torre de babel - uma nova proposta imagética a cada verso.
Fico um pouco perplexo. Não sei se na oferta de uma Possibilidade eventual existe a provocação dos sentidos (contemplação). Aliás, desconfio que você confia muito no recurso. :)
C'est ça, mon cheri.
Abração.
...
Ah, e ("é óbvio que"?) a meia dúzia que lê também escreve poesia, já que na prática - dentro desse nosso ambiente virtual - não há a dicotomia entre leitores e escritores de poesia. Afinal, faz-se poesia no ato da leitura, assim como há contemplação no ato criativo.
Bacana a cronologia com que as palavras foram fazendo sentido. Começou uma coisa meio lá, meio cá, quase que uma névoa. Dava a entender várias coisas, mas provavelmente, nenhuma delas era de fato.
No fim, eu enxerguei uma bonita forma de contar um caso do dia-a-dia.
Gostei. Mas tive a impressão de estar lendo uma tradução de Ginsberg.
um quadro interesante
meio Chagall, meio Dalí...
de qq forma, muito bom
Grande poema com ares neobarroco.
Destaco essa passagem:
guardas e xamãs
brigam por tabaco
e seus olhos pintados
não veem o ninho de cobre
onde a videira canta seu mantra
Adorei !!!
Abraço do chico
Pois é, Assis, é a parte que eu destaquei também.
é rapaz: a ideia da leitura universal, fui obrigado a olhar com bons olhos. Quando se torna universal e que passa a ter trânsito livre, passa a circular mais nas mãos nos universais.
sabe, confio mesmo nas transfigurações do cotidiano que uso, observo e invento para propor sensações e imagens, e sons e ritmo.
Vejo coisas normais na rua, e absurdas também. E aí as reconfiguro, estabeleço relações em acontecimentos não relacionados por si mesmos, e atribuo caracteres fantásticos a movimentos banais. E faço isso porque os vejo, porque fantasio o dia. Contemplo e me encanto com as imagens possíveis na ocasião casual.
E o transbordamento de imagens, a video arte em poema, essa já faço faz tempo.
O que tenho conseguido fazer agora, é trazê-las com um vacabulário comunicável, e entortar neologismos só em casos os é possível enxergá-los.
Tenho facilitado a leitura, e abusado da imagem.
e as outras coisas ditas, SÓ TENHO A AGRADECER a cordialidade e incentivo que recebo na casa.
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