Imagem: Eu e minha boneca
Eu ainda brinco de boneca
e a minha boneca chama-se Maria.
Durante o dia, dentro de um armário,
eu guardo, com cuidado, a minha bonequinha.
Depois cuido para que ninguém perturbe
nem que alguém machuque
a minha doce Maria-só-zinha.
Porque a Maria é feita de delicados panos
cada qual com metros de bordados
e coloridos mantos.
Porque a Maria é curiosa, é formosa,
mas ainda é muito pequena.
Por isso, pode desmanchar suas tranças
e perder-se nas rendas;
Ou nas areias turvas e claras e sardentas.
Mais eu ainda brinco de boneca
Só para pentear alvos e enormes cabelos.
Fazer-lhe roupas, inventar-lhe nomes,
namorados e segredos.
Depois desmanchar tudo; sem, contudo,
destruir-lhe os sonhos, parafraseados e adereços.
Porque eu ainda brinco de boneca
e construo casas bem “azulzinhas”
para que a minha Maria-só-zinha não se sinta sozinha
e possa fazer gostosuras em sua farta cozinha.
Isso tudo porque eu brinco de boneca
e a minha boneca chama-se Maria.
É Maria que pinta em tonta-tinta as minhas curvas-linhas.
É Maria que liga ponto a ponto a ponte da minha varinha.
Porque ainda sou criança e meu natural é imaginar
Porque criança que é criança,
brinca mesmo sem saber jogar.
Porque criança não se preocupa por que sonha,
nem o porquê do sonhar.
Simplesmente sonha porque nasceu para amar.
É por isso que eu digo:
― Eu ainda brinco de boneca
É essa a minha mania!
*Do livro Agá-Efe: entre ruínas & quimeras (FERNANDES, Hercília, 2006, p. 95-96).
16 comentários:
Um belíssimo poema, Hercília. O regresso à infância é tantas vezes a fuga às solidões que a vida nos impõe. É o lugar onde nos escondemos das nossas fragilidades.
Um beijo.
Gracioso poema sobre o brincar e a criatividade. Texto sobre a possibilidade de fazer a linguagem virar brinquedo sério. Todas nós temos nossas Marias. A minha sempre foi Emília de Monteiro Lobato.
Maravilhoso Hercília.
Um poema lúdico que aponta para o lado feminino, que por ser mãe, empresária e atualmente ter outra posição dentro da sociedade, não deixa de ser "Fêmina".
Parbéns!
Belíssimo!!!
Um forte abraço
Mirse
Lindo poema serve de contraponto delicado e sutil a nossas anteriores pedradas. O lúdico, o feminino, o encanto guardado - muito bonito e bem escrito - a poesia tem várias faces e todas nos atingem em algum ponto especial
abração,
helena
Muito bonito o poema, Hercília. Tem uma leveza que nos conduz de uma forma tão sutil, como se fosse uma cantiga na voz doce de uma criança - tem um ritmo e um embalo que o deixa mais especial ainda se lido em voz alta. Muito bom.
*Graça Pires, querida amiga.
Muito obrigada por sua vinda e belas palavras. Sim... em nossos devaneios acabamos nos reportando para as imagens da infância. E isso é fantástico.
*Compulsão,
muita agradecida pela sua leitura e generoso comentário. Você retirou boa parte das vestes de minha bonequinha. Muito obrigada!
*Mirze, minha amiga.
Sim... nós mulheres [e/ou poetas] assumimos múltiplas faces, mais ou menos como a lua... e, dentro de nós habita uma alma infantil.
*Helena,
fico feliz que tenha apreciado e agradeço-lhe a delicadeza e fartura de seu comentário. Quis trazer algo leve, sereno, ritmado... mas, ao mesmo tempo, sugestionar ângulos do fenômeno criador; que, para mim, consiste um momento de inteira felicidade, de ludismo.
*Rafael,
muito legal dividir cena com você. Aprecio muito a sua poesia e a Lira que nos traz hoje é fabulosa-mente catártica.
Abraços em Todos e Todas do Poema Dia,
H.F.
Delicia de poema, Hercília.
Beijos
Obrigada, Fred.
Fico feliz que tenha apreciado a minha doce Maria-só-zinha.
Beijos, querido!
H.F.
H.F.
Lindo o seu poema “Mania de Maria-só-zinha”. Uma delicadeza e raio de sol nos descaminhos, nas curvas-linhas da poesia. Parabéns!
Vou tomar esse poema para mim, viu? Pois, me sinto inteiramente homenageada, pois, além de ser “Maria”, minha alma também é de criança: sonhadora.
Aproveito a vinda para parabenizar a todos os “poetas” do “Poema Dia”. Estou encantada com o espaço e pouco a pouco irei visitando os autores.
Abraços, querida poetisa!
Maria Clara.
Que coisinha mais linda, Hercília. Por um instante, eu me vi com a minha Maria-só-zinha, que resiste à maturidade e suas intempéries e mantém a minha alma de menina. Amei!
*Maria Clara,
muito me contenta a sua visita. Realmente, o Poema Dia é fantástico. Estou muito feliz em integrar o projeto. Sim... o poema também pertence ao leitor, sinta-o seu.
*Vera,
que bom que apreciou o poema da Maria-só-zinha. A minha “menininha” lhe agradece com muito carinho.
Forte abraço, meninas!
H.F.
Um belo jogo lúdico de palavras e ideias.Uma maneira doce de brincar com a vida. Bonito, Hercília.
Oi Dri,
E, não é a vida um grande carrossel?...
Muito grata, minha querida, pela leitura atenta e farto comentário, a minha bonequinha [de pano e nordestina] ficou toda faceira.
Abraços,
H.F.
tem mar
nesse sonhar
de ondas e fantasias
dias e manias
nada como a feliz idade
de brincar
e para isso não há idade
há tanta felicidade
lindo hercília!
Que lindo...emociona! Assim como emociona à nós adultos uma boneca de pano.
Tomara que tenhamos gaurdado, todos nós, dentro do coração uma boneca de pano. seremos mais felizes e menos exatos quando abrirmos o armário do coração e poder novamente viver essa poesia doce e terna.
beijo
...............Cris Animal
*Oi, Fernando.
Sim... não há idade para a fantasia e ludicidade. Sonhar é da natureza do homo ludens. Muito obrigada por vir fazer sorrir essa menininha de bordados e sonhos-de-renda.
*Cris,
essa bonequinha dorme e acorda em nós. Para despertá-la basta abrir os braços para a imaginação. Fico feliz que tenha gostado da minha Maria-só-zinha.
Muito obrigada, amigos, pelas leituras e apreciações.
Abraços,
H.F.
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