sexta-feira, 8 de julho de 2011

EU SEMPRE FICO ENCANTADO


Queria andar nu no meio daquela rua iluminada pelo canto da lua, mas a cidade cresceu muito e já é tão perigoso ser somente índio ou ser absolutamente sem nós.
Queria ir por aí pra dar um rolé de pura nostalgia, pra enfeitar [enfrentar] a sorte que aparece no instante em que ninguém vigia o cio de nossa sobrevivência.
Vamos deixar borbulhar cada pedaço de alegria, de riso com doce de leite, de risco que corre de mão na mão, de brevidade assada na hora, de quindim gostoso que só vendo, de amendoim torradinzim e até de sanidade sem confetes.
Vamos, é preciso deleite, vamos beber água na fonte antes que Deus descanse, antes que Deus se deite.
É impreciso o regresso da bola e da flecha. Olhe você de novo, no breve espaço da sina em silêncio - olhe você bem de perto: olho no olho, pois o dedo em riste que destrava é o mesmo dedo que amansa o medo.
É preciso tremer e parar de temer pra encurtar a tensão, então: ‘relax ô’, ‘no stress’, ‘+ show’, ‘88 up’ nestas pitacurinháculas sonoras - o mistério é sempre o mesmo. No mais e pra mais valia, nada disto tudo não é tudo nada não.
Gaste o gás, meu bem! Olhe que a vida passa sem preparar [ensaiar], mas diz baixinho ou grita aos quatro cantos: abaixo a mesmice, abaixo todo terror que resiste no tédio.
Beije demoradamente, meu bem! Tente olhar de olhos bem fechados: sem um muro pra encostar, a solidão já pulou do alto do prédio mais alto.
Seguir a seta nem sempre é seguir a reta, pura brincadeirinha de acerta não acerta. Mais vale prestar atenção no gesto, na ginga, na garra, na gana, no grito do coração [outra forma de oração].
Seguir sempre, por que é ousadia desembrulhar o sorriso sem escalas, na cara escrachada do ‘x’ da vida, diante da duração de cada sonho. Dia após dia, todos os dias.
Quando quero mais dez por cento de prazer, a vida me espera. Enquanto este frio amassa a maçã das manhãs e das madrugadas sem sono, eu aprendo a voar.
Quando quero a coberta que é o corpo e o abraçar da musa amada, a vida é porta sem chaves, mão espalmada. Na face refletida na íris dela, o peito aberto acolhe todo meu olhar desejante, eu permaneço encantado.
* Este poema fica especialmente feliz quando é lido ao som da música “TUDO QUE RESPIRA QUER COMER”, de Carlos Careqa.
* Foto: A lua e a cerca [cleber camargo rodrigues]

4 comentários:

João Vitor Fernandes disse...

Menos rotina e mais vida.


Lindo, parabéns.



Beijos!

João Luis Calliari Poesias disse...

A mensagem é a mesma do "Canto de Ossanha" de Vinícius de Moraes e Baden Powell. Eu gostei.

Ana Ribeiro disse...

Cheiro e gosto de infãncia vivida nas ruas de pequenas cidades. Infância engolida pelos edifícios, pela violência, pelo medo...

Francisco Coimbra disse...

Boa sugestão de audição, obrigado! Um texto interessante, daria uma bela leitura (musicada ou não). Parabéns.