sexta-feira, 4 de março de 2011

explicável do choro, Gavine Rubro

desenho de Vera Fernandes
o choro
choro porque expurgam as lágrimas
porque muita ferrugem corre
correndo, batendo, tocando
por todas as arestas da torneira de sangue.
choram, chorem
de riso ou de grito
em silêncio ou em ruídos lunáticos.
soltem-se, expulsem fogos nocivos
em lágrimas resultantes de uma esponja
a esponja que torce e limpa
e vira-se de todos os lados
suja, limpando e sujando.
homens e mulheres
chorem
em toda a pompa que a sinestesia
da alma vos permita
em toda a força das rubras entranhas
da efémera existência
- a pétala somos nós.

suco lacrimal
salgado
desce do olho
escorre pela face
percorre a pele e o pó, acne
e estanca, decorando o cimo do lábio.

proibir alguém de chorar
é como a mão de um cobertor
observar imóvel o frio
das costas,
dos braços,
do peito,
da hermética alma que respira.

o choro interior
dos anéis de Saturno
- estéreis por não tocar no planeta.

tiro o chapéu ao Inverno
e às gotas que mergulham do céu
salutar, saúdo as nuvens
e bebo com todo o corpo
as lágrimas de Deus,
a saliva da natureza
primitiva que troveja
sapiência molhada em mim.

abraço-me a mim mesmo
quando choro às gargalhadas,
aos risos salgados
e humedecidos dos sentidos.
abraço todos,
limpo-vos as gotas dos olhos
e bebo-as,
coragem em doses de fé,
chovo-me,
chovo-nos,
pois sou vivo
e depois de morto também.

Gavine Rubro
poema disponível aqui

2 comentários:

Anônimo disse...

uma descrição
em chamas

Joe_Brazuca disse...

teatral...

muito bom !