quinta-feira, 7 de outubro de 2010

7 maneiras de se perder

1.
não há receita para poesia
não há caldeirão de alquimia
nem exóticos ingredientes

poesia se faz com fome e dentes
poesia se faz com sede, frente
ao poço permanentemente abandonado

2.
fazer poesia é ter o sentido
e se apoderar da hora
a hora do cultivo

é ter a destreza da colheita
o cacho maduro que se apanha
sem romper o pecíolo

fazer poesia é precisar a maturidade
é buscar no buquê
o ante-sabor do vinho
extraindo a verdade

3.
poesia se extrai da pedra
como princípio, fundamento
e regra

como quem atira primeiro
em direção à janela
e a quebra

4.
poesia se constrói de penas
como quem em ícara cena
alça voo com as palavras
em direção ao nada:

a liberdade mágica e plena
de gaiolas sem grades

5.
poesia se extrai da grama
numa gama de adjacências
terra, água, raízes, excrementos

(há que se manter atento
à todos os elementos
e se encher de gana
a cada grama acumulada
do anti-experimento)

6.
poesia se constrói como teia
cheia de enlaces, nuances
e nós enfáticos

tênue e rígida fibra
cobrindo espaços

(construir é conviver
e saber pacientar-se
e surpreender-se
com as palavras presas
que em vão se debatem
certas do envolvimento)

7.
poesia se extrai
à beira do nonsense

livre de técnicas
receitas fáceis
paixões telúricas

poesia como utopia
inimiga de moinhos

poesia que não ignora
o exercício de hora a hora
e que se míngua
na metalíngua
quando a emoção escapa
pela tinta da mão

(poesia como esta agora
que não se prende
nem se aprende
e se defende de ser tão senão)

5 comentários:

Márcia de Albuquerque Alves disse...

Interessante... muito interessante essas maneiras de se perder. Adoro me perder em poesias!

Benny Franklin disse...

Poema firme, Olivio!
Boa!

valéria tarelho disse...

a composição do poema é um achado!
destaco o nº 6, como o glacê do bolo [minha parte predileta :)]

bj, olívio da olaria

Tião Martins disse...

Boa sidnei, deu um perdido na poesia e achou uma bela trama.

Renata de Aragão Lopes disse...

Bem mais que um senão, Sidnei!
Versos irretocáveis!

Um abraço,
Doce de Lira