Talvez eu devesse me apresentar embalada com uma tarja: “Cuidado, frágil - Mas nem tanto!”, com uma fita vermelha onde estaria inscrito: "O Ministério da Saúde adverte: É perigosa!", contendo uma bula que recomendasse “cuidado com as reações intempestivas, exageradas”, orientando qual é o lado que deve ser usado para cima e como descobrir isso antes que aconteça uma explosão.
Talvez devesse ter anexado um manual de instrução que tentasse explicar como funciono, alertando que opero em cinco voltagens, não tenho peças de reposição, sou de difícil manuseio, dou choque ao menor contato, não existe similar no mercado, não posso ser devolvida, não há onde fazer reclamações nem pessoal especializado que me entenda.
Posso ser adquirida, conquistada, mas o risco é por conta do consumidor do meu afeto. Quando ingerida em doses excessivas, causo dependência. Recomendo cautela no trato, porque posso ter efeitos secundários indesejados. Nas primeiras doses geralmente apaixono, mas com o tempo de convívio essa reação é superada. Persistindo os sintomas, prepare-se para me amar por toda a vida.
Alerto para a necessidade de certificar-se se deseja viver uma eternidade em segundos e inverter isso logo depois, se tem fôlego para correr, ânimo para viver e alma de tobogã. Tenho unhas de águia, olhos de lince, fúria de leoa, dengo de gata, fidelidade canina, delicadeza de pássaro, patas de cavalo, corpo de deusa, ar de princesa, inteligência de sábia, pureza de menina e solto fogo pelas ventas, resquício da minha porção dragão. Acrescente-se a isso que tenho uma faca na bota e uma rosa no coração, um insuportável bom-humor, persistência de água mole em pedra dura e uma modéstia comovente.
Quem aguentar, que fique comigo para sempre. Estarei junto de quem puder enfrentar todos os riscos e todos os risos.
Vera Pinheiro
12 comentários:
Uau!
Dá-lhe ego!
E que não seja assim, pra ver o que acontece... Pra baixo, qualquer um empurra, querido Victor! Pra cima a gente se ajuda!
Um abraço!
Excelente, Vera!
"Modéstia comovente"! (risos)
Tão mais fácil
- e menos interessante -
se cada ser humano
viesse com o respectivo manual...
Um beijo, querida!
Que prosa genial! Não só pelo conteúdo mas pela narrativa, num fôlego só. Gostei muitíssimo, Vera.
Parabéns!
Renata, querida, o bonito de não ter manual é a descoberta de nós e dos outros. E as surpresas, que fazem parte do pacote. B
Beijos para uma semana feliz!
Tenório, querido, muitas graças pelas palavras. Abraço grande!
Ah Vera, não quis empurrar pra baixo não. Falei o óbvio, não falei? E o óbvio tá na própria poesia.
E vamo lá: "pra baixo qualquer um empurra"? Aqui no Poema Dia? Aqui é só pra cima que se empurra.
Olha, "empurrão pra cima" faz um afagozinho na cabeça. "Empurrão pra baixo" é tapa na cara, é sinceridade minha como leitor que crê que com a verdade a gente se ajuda mais do que com o afago.
Um beijão de um poeta que também tem aqui seu quinhão de egolatria, e que também aprecia o egotismo alheio.
A gente é poesia pura!
"com a verdade a gente se ajuda mais do que com o afago".
o que é a verdade?
a verdade também pode ser um afago...
Concordo, Tenório. Com ênfase no fator condicional.
E por verdade eu quis dizer a nossa própria verdade, a nossa sinceridade, a nossa impressão contemplativa.
É a única verdade que podemos oferecer.
E se a verdade for o afago, que haja afago! Mas quando ela for tapa, por que haveria-de-haver afago?
"E se a verdade for o afago, que haja afago! Mas quando ela for tapa, por que haveria-de-haver afago?"
Essa outra frase, para mim, fez o maior sentido. Concordo com você, poeta.
Muitos abraços de carinho para vocês, poetas maravilhosos! Adorei a conversa! Só acrescento que eu não me referia a empurrões para baixo aqui, pois isso realmente não acontece, mas do lado de lá, fora da poesia, sim. Achei um máximo os posts de vocês, queridos. Que haja afago, e há, até mesmo nas discordândias e contrariedades.
Ecce Homo !...
sempre adjetivados, não há como não...(mas EU fico !...rsrs)
"superbe", diria um francês...
bj, Vera
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