terça-feira, 21 de abril de 2009

Gramática do desamor

Vera Pinheiro

Eu, pronome pessoal do caso reto,
a primeira pessoa do singular,
sou a pessoa que fala;
Tu, a segunda pessoa do mesmo caso, reto,
e também singular,
és a pessoa com quem falo,
e quem apenas silencia.
Não me respondes e
não conjugas os meus verbos,
que, mesmo não sendo, se tornam
defectivos: eu amo, tu não amas.

Nossos pronomes pessoais oblíquos
não correspondem ou não existem.
Eu falo contigo, tu não falas comigo.
Na conjugação do amor, tudo está errado conosco.

Sou pronome possessivo:
quero que sejas meu, mas não me queres tua.
Continuo singular: não somos um par,
não formamos um plural.
Sou pronome possessivo adjetivo,
quero estar junto a ti.
Tu és substantivo e te bastas.
Não precisas de um nome, já és um.

Pronome demonstrativo que sou,
te trago como uma referência,
a posição em que me ponho no mundo,
mesmo sem ti.
Isto sou eu. Este és tu.
Eu, própria; tu, impróprio para mim.

És pronome indefinido: nada, nenhum.
Queria que fosses alguma esperança, ao menos.
Mas tu és vago, indeterminado.
Eu sou alguém, mas queres a outrem.
Quem? Interrogativa vã, sem resposta.
Tudo é relativo, pronome e homem.
Qual deles não o será?
Talvez só o pronome numeral
que veio antes de todos,
o primeiro, em que eu acreditava.

Calo emoções e palavras.
Não conjugo verbo no presente,
porque tu me aprisionas ao passado.
Contigo vivi o pretérito perfeito:
eu amei, mas não me amaste.
Eu era o pretérito imperfeito...
ah, como eu te amava!
Menos do que no futuro do pretérito:
não te amaria tanto como te amara,
no pretérito mais-que-perfeito
do meu imperfeito amor.

Hoje, não há presente para nós.
Eu já não amo (nem a ti nem a ninguém).
Não há futuro do presente: não te amarei
mais do que já te amei no pretérito perfeito.

Sonhei para ti a forma imperativa afirmativa:
e inútil: Ama-me!
E restou a alternativa que me impus,
ad eternum: Não ames!

Que o presente do subjuntivo
me ampare nessa conjugação solitária:
que eu ame apenas quem me ama!
Haverá, assim, um futuro do presente.
Quando eu amar outro,
talvez possa sussurrar ao mundo
em gerúndio: estou amando,
ou no particípio, tenho amado.
Antes, preciso me dar bem com o infinitivo impessoal,
De perdoar este caso, esquecer e recomeçar no amor.

9 comentários:

Joe_Brazuca disse...

Trabalho burilado, pleno em acuidade, que mostra bem os paralelos da lingua falada, com a outra menos palpável, do que podemos ou não sentir.

Excelente !
abraço

Renata de Aragão Lopes disse...

Gostei muito, Vera, da sua brincadeira com os tempos verbais! Um beijo.

TON disse...

Um artesanato de palavras, verbos, ações e emoções.

Gostei muito, mesmo!

Ton

Beatriz disse...

Conjugou o verbo, amou conjugar!
Ação poética no tempo da palavra e da coisa que ela representa.

VERA PINHEIRO disse...

Queridos Joe, Renata, Ton e Bea, muito obrigada pelas palavras boas sobre o meu modesto escrito. Amo conjugar o verbo conviver com todos aqui. É um grande aprendizado estar com poetas da grandeza de vocês.
Beijos com meu carinho e minha gratidão.

taniamariza disse...

puxa! gostei demais!
taniamariza

tanianaodesista disse...

esqueci de dizer..prende o leitor...do início ao fim ...um convite ao final.taniamariza

Anônimo disse...

Legal essa brincadeira metalinguística e tão poética.As cinco primeiras estrofes, referentes aos pronomes, ficaram muito boas, já a parte que se refere aos modos e tempos verbais, acho que poderia ser enxugada. Bem, só um ponto de vista. De qualquer forma, parabéns! Gostei da leitura!

Henrique

Day disse...

Lindo! Lindo!
E muito obrigada, mais uma vez, pelo seu comentário sobre o meu poema "Se eu fosse pop star"
mil beijos e palavras pra nós todos!

Day