quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Poema


Que importa o universo e a sombra
Que assombram o homem
Se seu princípio estabelece um inevitável final?
Não sou verve fervilhante
Nem o fatal desejo da alma de se desgarrar deste saco de carne e ossos
Que perambula pelas ruas desertas em noturnas horas de desespero.
.
Não navego por ser impreciso,
Por ser impossível navegar sobre montanhas
Onde o mar não alcança minhas mãos
Nem minhas mãos alcançam seus cabelos
Na ânsia de navegar pelo teu corpo, buscando horizontes e outros portos,
Tentando atracar entre seus seios.
Navegar é preciso,
Mas a turbulência deste mar
Tem o vigor de sortilégios
Enquanto meu maior desejo é naufragar em qualquer onda.
.
Que me importa o universo e a sombra
Se sou assombrado pelos mesmos fantasmas
Se sou o mesmo ser errante na noite escura
Desvendando os mistérios que a rua dita
Contando as notas de minhas dívidas?
Ah... pobre patrício! Pensas que a poesia vale a pena,
Mas tua pena é tamanha,
Perpétua maldição de se ver sozinho entre as frases perfeitas e as rasuras da vida.
.
Não navego por navegar,
Nem remo contra marés que sobem além do bojador
Navego ao ritmo de minhas neuroses
Mergulhado em crises sonâmbulas
Que prescrevem o nível exato de loucura em que me encontro.
Me assombro se há verve ou alma
Se a dor que me invade é como um enorme tufão
Ou um simples degelo casual no Alaska
Ou a devassa de uma tempestade tropical
A levar-me como barco
Ou simples objeto sem valor
Que se perde na imensidão do mar
De montanhas que navego em minha nau de pedra.
.
O quê que há?
Que rios, barcos, mar?
Se há apenas silêncio e vento
A quebrar nas persianas da noite?
.
Que navegante sem porto haverá
Onde não há oceano nem mar?
Somente uma rua de encontro ao cemitério
Onde o átrio de entrada me lembra de onde vim:
“Lembre-te que és pó”
Lá... onde os mortos se curvaram,
Onde os mortos se calaram,
Onde a noite não tem mistérios! . .

5 comentários:

Adriana Godoy disse...

Um poema belo e bem construído, com um ritmo próprio e que possibilita a criação de imagens, talvez nem tão belas como a da foto.

Benny Franklin disse...

Poema beat! De prima.
Boa!

L. Rafael Nolli disse...

Beleza de poema! Já conhecia de outros carnavais! É isso, Flávio!

Assis de Mello disse...

Excelente poema, Flávio. Sombriamente intimista, cheio de figuras lancinantes, doido, como eu gosto. E muito bem escrito.
Dizem que os mineiros são quietos, mas quando se expressam causam estardalhaço.
Te linkei.
Abração,
Chico

Beatriz disse...

E há mares sem marés!
Magnífico navegante sem porto. Melhor à deriva no mar. Solta poesia nessas imagens, como disse o assis, lancinantes