terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Manifesto

Plug n’ Play
(Ctrl C, Ctrl V em um tema de M. Bandeira)

Para Ricardo Wagner



Não me venham com uma poesia que não esteja inflamada de morte: onde nem todo antibiótico do mundo possa surtir efeito; não me venham com uma poesia que não esteja intoxicada, que seja análoga às mensagens dos suicidas, aos bilhetes dos seqüestradores e as cartas-bombas dos que resistem

– e que da boca prefira o beijo à mordida.

Não me venham com uma poesia que não esteja em guerra: esses pequenos anúncios sobre biomas familiares, infestados de bactérias da moral conservadora, que veio escondida no bolor das bíblias e na sujeira da cueca dos padres

– e toda a merda sobre o amor adolescente, que culminou em frustração irreversível, visitas aos psiquiatras behavioristas e horas de onanismo diante do espelho embaçado do banheiro.

Não me venham com uma poesia que não esteja de pé, caminhando pela boca negra da madrugada, cheirando o cio dos que sofrem por não estarem se matando para alimentar os donos de __________, o proprietário da ___________, e os arrendatários dos ___________; uma poesia que não esteja agora farejando o fedor do sangue dos que foram mastigados pela fome, que não possuem sequer a terra debaixo das unhas

– e toda a bobagem umbilical, encharcada de nostalgia hanna-barberiana: o campo de futebol de terra batida e o jardim privado, que deveriam ter sido varridos da história, sobretudo com seus personagens: futuros técnicos e operadores da moenda capitalista, esfomeada por braços.

Não me venham com uma poesia artificial, criada no semi-árido dos dicionários, no glacial coercivo das gramáticas: essas invenções laboratoriais sintetizando o som das caixas registradoras e o canto das máquinas de refrigerantes

– e tudo aquilo que acalma: o verso que não esteja envenenado para matar the dear president; e tudo aquilo de inútil e irrelevante: adultérios bem-comportados que causam sono nos confessionários e levam ao bocejo os telespectadores das novelas das 6; e tudo aquilo de covarde: o poema que pede por favor para que as pessoas tumultuem.

Não me venham com uma poesia que possa ser lida nos salões sem despertar o pânico e instaurar o caos: essa poesia que o rádio transmite sem tirar o sono de ninguém, que tenha uma pátria e atenda por um nome

– e que da cama prefira o sono ao sexo.







* do livro Comerciais de Metralhadora

12 comentários:

Renata de Aragão Lopes disse...

Tão denso quanto a poesia que exige. Excelente texto!

Victor Meira disse...

É demais.

Imagine se levarem esse texto a sério.

Beatriz disse...

Rafael e que lhe venha o poema "fissão nuclear" que você pede. Levei a sério, Victor. E agora?
Será que eu consigo? Em parceria, talvez?
Gostei deste pedido manifesto que provoca o latente em alguns poetas.

Adriana Godoy disse...

Provocativo, instigantee, saracástico e belo.

Adriana Godoy disse...

sarcástico

J.F. de Souza disse...

Não me venha exigir que todos sangrem.

(Só pra dar um tom diferenciado...) =P

Salve, Nolli!

1[]!

Anônimo disse...

Nolli, te dou mil aplausos e, depois, me entrego ao silêncio necessário para refletir sobre cada palavra tua. Lindo! Parabéns.

Hercília Fernandes disse...

Em síntese, não me venham com uma poesia desbotada, sem VIDA...

Rafael,

gostei muito do seu Poema Manifesto. Rico em conteúdos, linguagem e valores.
Parabéns!

Abraços,

Hercília.

Helena disse...

É sempre emocionante ver que meu tio-avô desperta a poesia ardente, forte, carregada de vida tantos anos depois de sua morte. Parabéns, Noll

abração,

Helena (maria helena bandeira)

flaviooffer disse...

Tâo forte e denso quanto a necessidade de vida... muito bom o poema!!!

Abraço!!!

Barone disse...

Meu velho... sou seu fã.

L. Rafael Nolli disse...

Agradeço a todos, de coração, pelos comentérios! Abraços!