domingo, 19 de agosto de 2012

Exame de balística (armapalavrarmada)



não vou fazer poesia
o silêncio marca o meu tempo
(ampulheta precisa do que foi e virá)

não farei das palavras meu grito
meu discurso não é uma guerra
não carrego a palavra como arma
(artifício de autodefesa e contra-ataque)

em minhas mãos não está o artefato leviano
que faz dos fortes vítimas do acaso
corrupção de corpos miseráveis
(a palavra é minha aliada)

não trago bandeira – símbolo escravizante –
apenas a palavra embargada
numa tentativa de dizer o desdito
(confirmo as hipóteses – não faço guerra)

as palavras que apresento
dormiam no dicionário
não apresento-as como armas
(apenas complemento de minha loucura)

o poema dorme na eternidade
entre as pernas de Sofia
 – abismo de prazer e insanidade –
(meu querer se expande)

tudo vai além da sorte do homem
que lambe o membro de Adão
(Circunvolução imediata)

o sêmen escorre por gargantas e labirintos
unindo versos extintos a várias eras
trazendo às mãos do carrasco um poema que sangra
(mênstruo ineficaz de Pandora)

não... não quero a palavra como arma
prefiro empunhar um Kalashnikov
declarando abertamente a insatisfação de nossas veias abertas
(não vou prostrar-me diante da águia – ave de rapina)

não vou submeter-me à tua onipresença
que se cristaliza na memória – deus infame –
a corromper o gênero humano
(não serei aliado de Cézar, nem de Marco Antônio, nem de Cipriano)

a poesia dorme num silêncio resoluto
enlutada transpira venenos – absorvendo os gases de câmaras secretas –
onde judeus putrefatos são exibidos em vitrines nazistas
(o mundo revive a paranóia do holocausto)

não quero possuir uma definição
não farei estatísticas – nem paralelos algébricos –
a poesia incorporou o fardo que é a inumanidade
(esta desumana causa corruptível do século dos séculos)

na tentativa de dizer a verdade
reinvento-me em transversais desejos
não serei apolítico – nem rebelde sem causa –
limpo a bunda do planeta com a bandeira burguesa
dando ao ianque o que é do ianque
e ao latino o que há muito o seu sangue derramado pede

A poesia exige presença
a palavra exige ser arma – meu domínio sobre ela já não basta –
levá-la-ei junto aos suprimentos
em bolsas, bolsos e mochilas: junto a projéteis
(empunharei os versos e o Kalashnikov)







*** Poema do livro Itinerário Fragmentado (Quártica Premium, 2009)

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