terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Peixe

Eu fisguei um peixe enorme
e o mantive ao lado do barco
metade fora d'água, com meu anzol
que lhe cravara o canto da boca.
Ele não lutou.
Ele não lutara mesmo nada.
Ele era um peso pendente
derrotado e venerável
e simples. De vez em quando
seu corpo marrom aparecia em listras
como antigo papel de parede,
e seus desenhos de marrom mais escuro
eram como o papel de parede:
formas de rosa desabrochadas a pleno,
manchadas e gastas pelo tempo.
Ele estava salpicado de óleo de navios,
de finas rosetas visgosas
e infestado
por pequenos piolhos marinhos
e por baixo dele pensiam
dois ou três farrapos de algas verdes.
Enquanto duas guelras estavam respirando o
terrível oxigênio
— as assustadoras guelras
frescas e eriçadas, com sangue,
e que podem cortar tão cruelmente —
pensei em sua rude carne branca
enfeixada como plumas,
os grande e pequenos ossos
os dramáticos vermelhos e negros
de suas entranhas luzidias
e a bexiga avermelhada
como uma grande peônia.
Olhei dentro dos seus olhos
que eram bem maiores que os meus
porém mais rasos e amarelados,
a íris retraída e envolvida
em folha de estanho embaçada,
vista através de lentes
de um velho, arranhado esturjão.
Seu olhar se desviou um pouco porém não o bastante
para devolver o meu.
— Era mais como se recobrisse
um obejeto contra a luz.
Admirei-lhe a face sombria,
o mecanismo de sua mandíbula
e então vi
que de seu lábio inferior
— se é possível falar de lábio —
severo, úmido, agressivom
pendiam cinco antigas linhas de pescar
ou quatro, talvez, e um guia de metal
ainda com a argola
e com todos os cinco grandes anzóis
cravados firmes em sua boca.
E uma linha verde, desgastada na extremidade
em que ele a havia partido, e duas outras mais fortes
além de um fio pretp e fino
ainda encrespado pelo esforço e pelo golpe
do momento em que ele escapou.
Eram como condecorações, como suas faixas
esfrangalhadas e oscilantes,
uma barba de sabedoria com cinco filamentos
que ele arrastava em sua mandíbula dolorida.
Eu olhei e olhei
e a vitória encheu
o pequeno barco alugado
surgida da ágia que havia entrado
e onde o óleo difundia um arco-íris
junto ao motor rnferrujado
e o rosa enferrujado da água baldeada
e o meu banco, que estava ao sol,
e os remos, nos seus encaixes,
e o interior do barco — e tudo, enfim,
era o arcó-íris agoara, era o arco-íria agora!
E eu deixei o peixe ir embora.

Elizabeth Bishop

tradução: Jorge Wanderley



2 comentários:

Cássio Amaral disse...

bom ver meus amigos aqui:

rafael nolli, flavio otávio ferreira, felipe marques e isaias de faria.

a poesia aqui descarrilha bem, e o trem tem que ser descarrilhado.

abraço de santa catarina, da praia de barra velha(nossa nova morada) a todos.

Guga disse...

Parabéns!!! Excelente poema, boa tradução. Conhecia este poema de tempos atrás, de uma tradução do Paulo Henriques Britto, estava procurando, obrigado por postar! Abç! Guga Cacilhas