terça-feira, 15 de junho de 2010

Qual serei?

Pela superfície diáfana da piscina olímpica, podíamos ver os azulejos mal encerados no fundo, cheios de pegada. Num impulso, mergulhamos nossos corpos miúdos rebentando água, dando braçadas entre as raias. Lembro que tive inveja das outras crianças que podiam nadar até o outro lado, um pouco longe da tutela dos pais. No raso ficaram apenas um pequerrucho e eu. Meus pés já eram capazes de roçar o piso escorregadiço, mas o outro precisava se utilizar das mãos, cavoucando feito um cãozinho, tinha no máximo uns três anos. Não percebi exatamente quando, mas agora o pirralho se afogava discretamente, boca e nariz desproporcionais submersos, os olhos de fora gritando em silêncio. Tive aquele primeiro impulso de prontamente soerguê-lo, mas alguma coisa me impediu o gesto, só não sabia elaborar o quê, na minha pouca idade. Posso afirmar, contudo, que não foi medo. Ao contrário, era fascínio, desejo inexplicável de assistir a tragédia se consumar, eu já entendia que aquilo daria em morte. Durou pouco: a mãe, que tagarelava numa roda de outras mães, correu feito uma selvagem, tive mesmo a impressão que ela caminhou sobre as águas, aí embrulhou ferozmente o filho entre os braços, enquanto me agredia palavras de horror e água: por que você não fez nada? Muitos anos depois, quando Leonel e Patrício se conheceram e encontraram entre si muitas afinidades, como o gosto em freqüentar piscinas e o mar, um deles confessou ao outro este episódio sinistro que promoveu na infância.

4 comentários:

Adriana Godoy disse...

Tenório, gostei demais desse texto, com um toque de terror mas ao mesmo tempo tão verdadeiro, tão possível. Beijo.

Anônimo disse...

Texto preciso, Tenório! Parabéns. Gostei mesmo.

Abç,
Gracinha.

Guí disse...

Fantástico!

Maria Cintia Thome Teixeira Pinto disse...

ótimo...adorei o texto, bem criativo e inteligente...