sábado, 15 de maio de 2010

Outro!

Escrevo na quietude do quartinho, a barriga protuberante, os pelos pubianos eriçados e o pênis entocado feito um filhotinho doente. Qual a utilidade de deitar palavras, senão pelo desejo incompreensível de ser lido? É isso que realmente almejo, ser lido? E sendo lido, o que espero do outro? Que se emocione, que me tenha no mais alto conceito, que queira ser eu? Talvez acredite piamente que, no instante em que sou lido, estou abrindo a porta de casa para quem quiser me ver desonrado, destituído de dignidade humana, nos moldes: quer me humilhar abre logo a porta do banheiro quando eu estiver cagando. E no percurso da leitura, essa pessoa estará sentada ao meu lado, presenciando o fluxo mental de um homem perecível, contemplando sem julgamentos a nudez relaxada dum homem mofado.

Observo conhecidos que transitam pela cidade, convivendo em bares, em teatros, em lotações. Engajados em algum projeto pessoal ou coletivo, inscritos em cursos de verão ou academias de ginástica, todos muito mais felizes que eu. E isso me parece ridículo! Me recuso a adotar um estado de espírito que seja circunstancial! No entanto, escrevo estórias. Mais que isso: preciso que sejam lidas. Há! Existe algum elemento químico, bio-lógico, por trás disso, uma lacuna fisiológica na compreensão de arte: ela deveria ser foco de estudo de cientistas, não de artistas. A arte é um caso clínico.

Cada vez que me privo do contato humano, mais personagens e mais diálogos crio no papel. Será que teremos que conviver, de um jeito ou de outro?

6 comentários:

Anônimo disse...

Cara, o que dizer desse texto? Estou mudo diante de uma narrativa tão eficiente e sincera. Só posso chamar as outras pessoas da casa para ler também.
Meu camarada, muito, muito PHODA seu texto! Parabéns!

Evaldo Carriço

Adriana Godoy disse...

Acho que é por aí mesmo. Gostei da clareza de seu texto. Valeu, Tenório!

Francisco Coimbra disse...

Este texto é duma poética excepcional, busca e encontra a poesia onde ela, de todo, não quer ser poema. Parabéns!

L. Rafael Nolli disse...

Gostei, meu camarada. É um texto altamente poético, que levanta questão que me intrigam muito: qual é o papel do poeta? Pra que ele serve? se é que serve pra algo, etc... e qual seria o papel do leitor... etc... Mandou bem.

Lírica disse...

Tiago, seu texto é instigante. É claro que despertou sentimentos, já que encontra acolhida em muitas mentes e corações identificados com esses conflitos. A filosofia, a psicanálise, a antropologia e outras ciências, inclusive biológicas têm suas explicações, mas creio que vc anseie por mais do que conceitos. Todos nós buscamos, especialmente na arte, expressar e absorver idéias, sentimentos, sensações vicerais. Intuitivamente, tenho um palpite. Acho que falta... mais arte. Não símbolos, emblemas, conceitos... mas arte! Temos confiado demais na ciência... estamos ficando restritos a conhecimentos e perdendo em entendimento, contemplação, sensibilidade, intuição...
É só uma idéia, mas me avassala.

Lírica disse...

"O poeta é espelho da humanidade"
(Shoppenhauer)