sexta-feira, 9 de abril de 2010

UVA PASSA


Estava com os cabelos melecados de tinta logo após a coloração. E para completar o visual-medusa, uma capa branca, leitosa e plástica. Frequentar salões de cabeleireiros unissex pode ser muito constrangedor. Mais do que se imagina.

A cadeira ao lado da minha fôra logo ocupada por um cliente que cortava os cabelos enquanto eu aguardava os meus trinta minutos de tinta.
Tão logo ele sentou-se, desatou a falar. A cadeira giratória: divã. Em meu pensamento, aquele divã improvisado era preferência das mulheres, nos intervalos entre esmaltes, grampos e tesouras. Engano meu.

De início eu ouvia sem querer, com olhos fixos em meu livro, a sessão ao lado. Porém, depois foi inevitável não abrir os ouvidos.
Ele contava de uma garota. Ela convidou-o para sair na sexta. Ele deu uma desculpa e sugeriu quem sabe no sábado. “Quem sabe” ao que ela prontamente respondeu : “Confirmado!” . Ele não queria. Ela não percebia. Ele dizia que o homem cerca (“cerca”?!) , isto é , não deixa escapar (“escapar”?!) quando realmente quer. Abri mais os ouvidos para analisar com curiosidade suas falas, afinal, nem sempre se chega tão perto do Clube dos bolinhas. Foi então que ele declarou: “mas eu estou interessado em outra, esta é só back-up, claro!”. O back-up ecoou raivoso em meus ouvidos. “back up”?! “back up”. Pulei disfarçadamente para o sofá lateral e reabri o livro numa tentativa esforçada de concentração. Não conseguia mais ler. No entanto, já não mais ouvir a sessão daquele paciente, me aliviou.

Hora de desfazer meu penteado-medusa. Sentada no lavatório, com a capa branca leitosa, os olhos fechados para sentir a massagem, ouvi pertinho: “Desculpe, você já estava virando uma uva passa por ter que esperar!” Era o “paciente” que me abordava. Eu pensei: “uva passa?????” Olhei para a minha capa branca amarrotada: “uva passa??”. Pensei nos meus quarenta anos: “uva passa???” Será uma referência ao tempo que eu aguardei a coloração – “uva passa”?
Então abri os olhos e me deparei com o olhar do moço, sem graça. Ele desculpava-se pela demora de seu corte de cabelo. Não se desculpava pelo “back up”. Aliás, ele se desculpava, certamente pelo seu mal pronunciado “back up”.
Devolvi um sorriso amarelo. Ele tentou novamente: “É que você tem mesmo que aguardar a tinta fazer efeito, não é?” Eu: “É..”

Por fim, o moço, desconcertado, montou em sua supermoto estacionada na entrada do salão e saiu a galope.
Eu deixei de sentir raiva. Uva passa, back up... Ele não sabe mesmo se expressar e ainda tem muito a descobrir sobre o sentir.



imagem: Magritte

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