domingo, 24 de janeiro de 2010

A casa


Dos homens que a ergueram

não restam sequer testemunhas:

um pó de memória que seca a garganta.


De como retiraram o barro das distâncias

e o emularam em célula não restou a sujeira

nas roupas ou o câncer que os consumiu.


De como em fornos cozinharam os miolos

e o caldo das montanhas, nada sobrou:

talvez uma ficha em arquivo de manicômio

ou uma cratera que junte água salobra.


De como chegavam a seus lares –

felizes por ainda terem os dentes na boca –

nada se sabe. Se há quem o recorde,

não há de dizer algo que valha.


De como suportavam as horas

– tendo um copo de lágrima e

um cão para lamber as feridas das mãos

– coisa alguma se relata:

ninguém anotou nada em lugar nenhum.


Por certo, os filhos dos que a ergueram

virão derrubá-la.


Disso, todos são testemunhas.



*

9 comentários:

Lírica disse...

Rafael, simplesmente: chapei. Poesia do começo ao fim. Vc reconstruiu essa casa tijolo por tijolo e mobliou com alma... Caca frase resgata possibilidades as mais amplas, do nobilérrimo ao mais mísero de tudo o que há em cada ser humano e pode ser resgatado nos momentos eternos da vida interior, mas cuje eternidade é etérea e não concreta.
Parabéns.

Joe_Brazuca disse...

Foto e poesia, se completam

é a saga do tempo corrompido, Nolli, que devasta qualquer átmo de memória

excelente !

Hercília Fernandes disse...

Belíssimo, Rafael.
Muito apreciei.

Beijos,
H.F.

Márcia Maia disse...

Bravísimo, Lucas! Bravíssimo! Vai pra minha pasta de especiais.

VERA PINHEIRO disse...

Parabéns, Nolli. Teus poemas têm uma dor de parto.

C. disse...

Poema abissal, pessoa.
E é bonito também o retrato, mas desnecessário.
Não acho que você ligue pra isso, mas pensei aqui e digo: tem certos poemas - e também romances, contos, novelas, crônicas, fotografias, que tais - pelos quais a gente é seduzida, num sentido etimológico - perde a linha, foge ao fio. Uns outros, feito A Casa, não têm que ver com sedução, mas um tipo de reconhecimento, uma intimidade, não sei quê. Que poema bonito!

Barone disse...

Show de bola meu velho.

Tiago Tenório disse...

Que poema mais foda, você é o cara.

Pronto, falei sem lirismo, falei como se não fosse poeta, como se fosse só um mortal de boca aberta, que é como estou.

L. Rafael Nolli disse...

Amigos, só tenho a agradecer pelos comentários! Valeu demais! Abraços!