No leito
vou dormir em paz enquanto
o lençol me cobrir a genitália
na casa ítalo-hostil
o castigo da castidade imposta:
fui castrado pelos pais da moça
e vi esculturas de puro mal
facões e navalhas escorrendo proteção
meu corpo emanava calor no ambiente hostil
empunhei a fruta mordida
e nem de sexo coberto alcancei
a deliciosa nebulosa de algodão
6 comentários:
Um dos que mais gostei seu. Apuro técnico, o poema tem sabor abaulado, bem torneado.
Ainda assim pergunto: explica para mim a 'deliciosa nebulosa de algodão'?
Grande abraço
Olha mano Tenório, explicar poesia vai contra meus princípios poéticos. A minha explicação reduz a obra à minha intenção, e exlui você, leitor, do processo criativo na poesia.
Mas faço um trato com você. Me diga antes sobre as tuas impressões, reações, entendimentos. Sem receios, mesmo que soe solto, desconexo, ou qualquer outra coisa; isso me interessa muito.
Aí, prometo: conto mais sobre a deliciosa nebulosa de algodão.
Haha, um abração.
Ah, e muito obrigado pelo elogio!
caro poeta, algumas das minhas impressões, falando ainda da forma, repito que foi o seu apuro técnico, o que faz o poema descer redondo, feito um filme do giuseppe tornatore (malena, cinema paradiso, o homem das estrelas, etc), sem arestas e com embalo.
minha reação inicial foi como se eu estivesse num set de filmagem. vi a locação, vi esse quarto, os atores, enfim, por isso achei o poema tb muito cinematográfico, lembrou uns filmes sombrios, com cortinas esvoaçantes, silhuetas no vão da porta e pelo corredor escuro, barulho de noite lá fora.
meu entendimento captou algo haver com a impotência, a impossibilidade, o segredo, a sensualidade.
não sei, engraçado que começando a escrever esse comentário é que me surgiu umas ideias: um rapaz dormindo na casa da namorada, talvez os pais dela sejam italianos ou descendentes, hahaha. e ele louco para comer a menina, mas a vigília e o terror psicológico dos velhos fazem com que ele se sinta literalmente capado.
juro que não tinha me dado conto qndo te fiz a pergunta, mas nesse exato momento em que escrevo, acho que criei uma teoria para a 'deliciosa nebulosa de algodão'...
acho que, impedido de realizar seu desejo, foi tentar se aliviar na punheta, hahaha. e a nebulosa que não veio foi a incapacidade de gozar, de jorrar o sêmen.
mas qndo cê fala de empunhar a fruta mordida, já parece que ele está falando da moça, a namoradinha, a eva com a maçã... se no parágrafo acima eu estiver certo, daí discordo dessa imagem para designar o pênis do coitado. se é que estou falando o que presta.
cheguei a imaginar que a nebulosa de algodão era a vulva cabeluda da namorada! hahaha.
enfim, já enlouqueci demais e iria mais longe se me deixassem aqui elocubrando. agora é com você um pouquinho.
abração
tenório
Hahaha, que delícia de leitura, Tenório. Tô feliz. Olha que bacana: ao escrever o comentário foram surgindo as idéias. Acredito muito na escrita como processo criativo em si - nossa cabeça funciona por meio do ato, da ação. E você atingiu o epicentro das minhas intenções nesse exercício.
Gostei muito da leitura que você fez da deliciosa nebulosa de algodão, e quero compartilhar ela, em termos exatamente iguais, com os significados do meu intuito inicial - e te explico o porquê. Na intenção original, revelo: a deliciosa nebulosa de algodão é o êxtase do sono, circulado pela figura do travesseiro e dos demais tecidos do leito, dissolvidos em devaneio e quimera. Ele se comunica com a primeira estrofe:
"vou dormir em paz / enquanto o lençol me cobrir a genitália"
para
"nem de sexo coberto alcancei / a deliciosa nebulosa de algodão".
E por que repartir o significado da minha intenção com o da tua leitura, em partes iguais? É porque, no contexto dado, o gozo é o sono são, ambos, êxtase. A frustração de não conseguir gozar e de não conseguir dormir prende a personagem numa reticência de tortura morna - e esse é o ponto.
Concordo com o que você disse sobre a fruta mordida: a referência pode não ter sido tão acurada, já que a fruta, na simbologia do Éden, significa principalmente a genitália feminina. Mas a usei para designar uma genitália comum, e "mordida" pelo óbvio (creio) da figura.
Cara, sobre a reação, é magnífico, Tenório. Essa reação é um baú de diamantes. Revela linhas que estão acima da minha ação como poeta, acima de qualquer controle, e só nos resta brincar de desconfiar que haja universos de influências externas nas entrelinhas. Digo, quando escrevi a poesia (entre o natal e o ano novo) eu estava lendo O Último Magnata, do Scott Fitzgerald, que conta sobre Monroe Stahr, produtor de cinema em Hollywood na década de 30. Giravam em torno de mim, naturalmente, elementos do universo da produção cinematográfica - e foi em meio a esse turbilhão que fui desenvolvendo Casa Hostil. É natural que a nossa obra sofra influência da nossa leitura corrente, penso.
Mas que papo bom, Tenório. Que se repita muitas vezes.
Enorme abraço.
Caramba, um diálogo que deveria se ver mais vezes por aqui: sincero de ambas as partes e esclarecedor. Ambas as leituras ricas e possívies - ainda que existam outras e mais outras possíveis. Bão demais.
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