sábado, 19 de dezembro de 2009

Translúcido


As palavras vinham como engulho à boca. Era insuportável sussurrar. Sentia o gosto do fígado destruído. Impropriedades eram vomitadas sobre a folha branca que as recebia com nojo e desprezo. Eu insistia em ruminar. Possuía uma baba acre que se misturava pouco a pouco aos despautérios que a mente liberava. Tudo brotava como cogumelos, parasitando o que condicionalmente seria pueril. Não haveria enzima que catalisasse o processo de destruição de mim mesmo e, esta se tornava lenta, imprudente. O peito trazia um rasgo insano. Talvez um amor despropositado invertendo os valores da vida. Talvez um olhar arrebatador a avassalar-me. Talvez a maior das enganações. Perdulário me tornei. Gastei todo o dicionário de sinônimos, mergulhando na inexatidão das formas. Pintei a imperfeição em preto e branco e cores abstratas. Ausentei. Poesia é a luz da lamparina na escuridão. Alumia alumia alumia. O resto é indagação sem sentido. É motivo de forca. Poesia é vento, é cobra a enrolar no pescoço da gente. É a gente se perdendo ao léu, sem razão nem fé. Sem céu nem inferno. Por isso poeto, verso o verso obscuro e obsceno. Chamo ao meu leito as putas. Como o pão que o diabo amassou e escarro prepotência. Não classifico, desqualifico. Amor é fogo que queima as certezas que morrem antes mesmo de nascer. Amor é um rombo no estômago. É o ácido a corroer a úlcera. Não sei poema, não sou poema, não vou poema. Somente amortecer a queda. Ceder ao tombo de dois corpos. Desnudar a impaciência. Açoitar a plenitude dos orgasmos. Desfalecer. Romper auroras e hímens. Acostumar-se ao sol. Caminhar em direção ao paraíso das galinhas. Petrificar as rosas e os rouxinóis. Elucidar a loucura. Enlouquecer a lucidez. Gritar palavrões. Silenciar palavrinhas. Transitar na contramão. Atropelar a gramática que nos prende. Que nos faz iguais. Nivelar ao nível mais baixo e vil. Nivelar aos bueiros que vomitam ratos. Nivelar às sarjetas que cochicham segredos aos bêbados caídos. Desmistificar.

3 comentários:

Joe_Brazuca disse...

Bárbaro !...em todos os sentidos.
Eis a catarse em sua forma pur'explícita, no mínimo !

Bom !!!

Flavio Machado disse...

um texto contundente.

abs

L. Rafael Nolli disse...

Belo texto, Flávio.