eram jovens no álbum de retratos
pose embaçada no vidro sobre o aparador
ela noiva alva serena
ele bigode à clark gable tentando disfarçar o sorriso
os anos não se contavam como hoje
a eternidade os tocara docemente
despudoradamente felizes
tanto que ainda incomodam
estampados na pele do papel
esbanjando luz no apagão da distância
zombando dos pretensiosos normais
mais reais do que qualquer um de nós
e assim vigiando o tempo
soberanos na altivez absoluta
marcando passagem por esse estranho mundo
seria possível ouví - los agora neste banco de ônibus?
seria possível reconstruir a cena com vestígios de ausência?
seria possível sentar entre eles no meio da sala iluminada?
e saber dos pequenos acontecimentos
das corriqueiras notícias
dividir o pão e repartir a ansiedade embalada do canto dos grilos
no meio do desfile de nuvens
o negrume surpreendido pelo anoitecer
anunciado pelas ondas radiofônicas
resistem no álbum de retratos
registro inalterável da nossa condição
antecipando o que haverá de acontecer certo dia
quando não nos encontraremos
e devidamente autorizados seremos livres
de todas as saudades por maior que pareça a crueldade.
Flávio Machado
5 comentários:
Me emocionei. Essas imagens e sensações tocam, como tocam os avós e suas memórias. Muito belo.
Salve a homenagem aos ancenstrais.
Sem eles nada somos.
que eles pairem no desfile de nuvens puxado pelo seu belo poema, Flavio
que belo poema, flávio. caramba!
Excelente! Emocionante!
Gostei, Flavio!
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