terça-feira, 7 de abril de 2009

os mistérios das ciências e a luz da poesia

tento parar o tempo
num esforço alquímico
para resgatar o passado
inalteradamente
talvez descubra a quebra
das nossas ligações
a química incompleta
das nossas soluções

ou quem sabe o nosso caso
seja físico
a inércia dos nossos corpos
no sonho relativo
de um Einstein arrependido

ou então, quem sabe
matematicamente
nossos destinos não se somem
por alguma regra não estabelecida
e não exista chance probabilística
ou teorema definido
por um inexplicável axioma

a biologia, talvez, descubra em nós
dois seres extintos
ou duas espécies distintas
de impossíveis encontros gaméticos
e habitas desiguais

quem sabe a astronomia
nos denomine cometas errantes
ou dois planetas distantes
mil anos-luz
em galáxias desconhecidas
no espaço sideral

ou então a geologia
demonstre em teoria
que nossos corpos se separaram
com a deriva continental
rebatendo a paleontologia
que afirmou sermos dois fósseis
sem um comum ancestral

a história com propriedade
exercendo a sua verdade
registra sem emoção e glória
nossa morte em tenra idade
dentro do cavalo de Tróia

a geografia então, nos mapeia
separados por uma cordilheira
dois rios formando meandros
que jamais encontram o mar

e a psicologia, por sua vez
nos declare, talvez
plenos de insensatez
com uma síndrome esquisita
que nem Freud explica

quem sabe a filosofia
dentre mil aforismos
ao tentar explicar nosso caso
se confesse mesmo vã
mas sem um lógico porquê
diga com grande sofisma
que incorporamos o mito
de Eros e Psiquê

a gramática entra em cena
com a ciência das palavras
e numa análise sintética
disse-nos sem predicativos ou predicados
que somos apenas verbos
conjugados no passado
sem um pretérito perfeito
sem um futuro guardado

(e a igreja então, negando sempre a ciência
onipotente proclamou
nossa relação um pecado
e sem qualquer julgamento
discernimento ou perdão
nos condenou para sempre
à fogueira da Inquisição)

mas quem sabe, por fim
a poesia
muito além da ciência
nos mostre com a luz do lirismo
e com a mais profunda inocência
que o tempo passou
e que o amor que a gente tinha
era pouco e se acabou...

8 comentários:

Renata de Aragão Lopes disse...

Um amor
fadado ao insucesso,
às justificativas
de todas as ciências
e sistemas de crenças.
Que ideia genial, Sidnei!
E dela ainda fez poesia!
Parabéns!

Benny Franklin disse...

Poesia é isso:
derrame de triplos sentimentos.
Boa, poeta!

TON disse...

Um sentimento dissecado pelas ciências exatas, inexatas, psicoquês, visões, religiões. Só a poesia pode trilhar um longo caminho como esse, sem cansaço, para dizer o que já se sabia desde o começo, desde a partida. E você, Sidnei, o trilhou de uma forma maravilhosa. Parabéns!!!!!!

L. Rafael Nolli disse...

Uma jornada muito bacana pelo mundo da poesia.

Adriana Godoy disse...

Um tratado filosófico sobre poesia, em versos, desdobrado em várias áreas. Um poema que traz inquietação, além de ser muito bem trabalhado.

Tenório disse...

Que poemão. Que estrutura, que mote, que trajetória criativa. A enumeração vai aproximando o leitor, vai retomando a ideia com mil roupagens e nos levando a conclusão mastigada, de rápida assimilição, feito umas canções do Chico.

Só achei que às vezes vc correu um pouco com as rimas, buscando a saída mais fácil. Como se se no somatório já atingiu-se a originalidade, na frase a frase pode-se empenhar menos, sei lá. Acho que esse é um poema para confecção demorada, maturada, demorar dias...

Mas ainda assim achei o poema belíssimo! Parabéns pela ousadia! Eu não o faria!

Sidnei Olivio disse...

Agradeço muito pelos comentários. Incorporei todos eles. É um prazer e um aprendizado conviver neste espaço. Abraço!

Beatriz disse...

Sidnei, é muito bem construído e, ao mesmo tempo, passa um frescor, uma coragem.
Lembrou Dueto de Chico, ainda que no seu poema o amor acabe.