sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

o escritor

Um poema de roupagem um pouco clássica. Espero que sirva a nós todos nestes tempos rudes à poesia. Arte a todos!

o escritor

seu melhor verso não acha amparo
quanto mais cresce menos lhe comparam
passa ignorado pelo vozerio

tem por certo o destino deserdado
se por sorte criou-se entre empregadas
deixa por legado a sina para os filhos

quanto mais se aprimora mais se exprime
mais conhece as histórias ancestrais
mais sabe que seu fim é para o fim

− de capuz a ouvir os paços do algoz −
nota o asco educado que o comprime
ao canto à linha ao longe além afora

quanto melhor o traço mais entre os vermes
sepultado no corpo de seu gênio
que o difere dos gênios dos mortais

quantos palmos medem cem anos de terra
quantos cabem num côvado milenar
certamente é inversa a ordem que se impera

de igual lamento quantos abarrotam
lançamentos com autógrafos e vinho
e em tempo tão mesquinho servirão às traças

quantos em saraus oficiais em congressos
destrincham suas histórias pessoais
− forma de escapar ao cadafalso −

e serão praças bustos um evento anual de estudantes
ah! se calmantes janelas drogas avenidas
são o modo último e barato

de saber para que lado corre o laço
um segundo livro um terceiro um artigo
são dois coveiros excitados

retirando um palmo denso de sucesso
de cima do corpo lá inerte sempre desde sempre
deixando um rarefeito palmo de fracasso

11 comentários:

Felipe Vasconcelos disse...

Caro Guto,

Seus poemas tem me despertado muito interesse e tenho-os acompanhado com crescente satisfação. Achei na Cultura um livro seu chamado "Poemas lançados fora" que não passará do fim de semana. A Valéria Tarelho (que é outra fera), por sua vez, me apresentou o Abracabrália, que eu também gostei muito (percebo uma influência de progressivo na banda?).

Mas escrevo com o intuito de lhe questionar um pouco sobre seu prefaciozinho a este poema. Posso lhe pedir para elaborar um pouco mais sobre estas duas questões? Por que a roupagaem deste poema é mais clássica? Por que estes tempos são rudes à poesia? Gostaria de compreendê-lo melhor, pois estas são questões que também me preocupam.

Parabéns e um abração!

Sergio Kroeff Canarim disse...

Antes de mais nada seria preciso definir o que é clássico? O que é um rude momento para poesia? é preciso determinar os limites do conjunto de propriedades que definem a eesência de clássico, assim como de rudeza.
Quanto mais se conhece a história mais dificl é definir periódos através de rotúlos simples, como tempo das trevas, tempo da luz, isso ou aquilo. Eu mesmo, achava que fazia uma inovação na minha escrita juntando palavras eventualmente, quando na minha primeira aula de filosofia (cadeira história do pensamento filósofico greco-romano) descobri que o grego antigo era escrito com todas as palavras juntas sem pontuação.
abraço,
e muita arte a todos! como diria o caro Guto.

Guto Leite disse...

Bom, evitei, na verdade, colocar quaisquer comentários nos dois meses anteriores, com medo de chamar mais atenção do que o poema, mas, talvez por estar em épocas pessoais um pouco conturbadas, traí-me e deixei-me transbordar em alguma sensação. Chamo de clássico (em sentido mais estrito, inapropriadamente) as influências pré-Malarmé ou Cummings, em poesia, ou até mesmo toda arte feita do início do século XX para adiantes. Arte mais ou menos mimética, pautada num pacto de referenciação no real. Certamente é questão para pensar se rimas e sonoridades são clássicas ou não (visto sua inerência à linguagem poética), mas por incapacidade teórica me abstenho de votar. Sobre a rudeza destes tempos, oscilo entre confissão e relato. Se o primeiro, é cansaço em ver nas pessoas o pouco cuidado com tudo, aquele carinho imenso pelo que não se é que se tende a chamar de respeito. Se o último, é constatar que nunca um poema ocuparia a primeira página de um jornal, como seria exageradamente mais sensato.
Agradeço muito ao Felipe as leituras (também as audições da Abracabrália) e aguardo as críticas e comentários. Ao Sérgio, assim que voltar desta longa viagem, respondo ao e-mail. Um perdão sincero aos demais pelo longo comentário. Insisto carinhosamente no poema, que traz muito mais do que eu poderia dizer dele. Grande abraço e arte, sobretudo.

L. Rafael Nolli disse...

Com certeza o poema supera qualquer comentário, pois propicia uma leitura repleta de re-leituras novas - o poema em si é muito bom e tem um arremate arrebatador: independentemente de estar ou não vinculado a tendências de renovação ou de propor uma experiência próxima ao que se convencionou tartar como "modelo clássico". Mas não posso deixar de manifestar satisfação em ver tais questões postas, que são realmente interessantes e urgentes. Assim, a cada dia esse espaço se torna mais prazeroso de se visitar. Abraços a todos!

Beatriz disse...

Poema-prosa, a meu ver. ricardo Piglia , em laboratório do escritor diz. pra que serve um escritor? E ele mesmo responde.: Para bem dizer.
Vc diz aqui, dentre outras coisas, da dificuldade de fazer parecer simples o que é simples. do desejo de superar.

Marcos Pontes disse...

Na verdade, poeta, o escritor nunca sabe qual é seu melhor verso. Sua relação com seu escrito é muito emocional, enquanto que a do leitor, mesmo sendo emotiva, conta com emoções diferentes da do autor.
Se me permite uma observaçãozinha relativa à sua apresentação do poema, não o acho com roupagem clássica, pelo contrário, está mais para pós-moderno ou contemporâneo ou seja que nome os ditos especialistas em literatura e poesia queiram chamar.

Heyk disse...

Curioso, amigo, como foram corpulentos os comentários.

Parecendo que pra mim é curitnho assim:

caramba é mesmo, nem isos eu quero. Não serve. isso não serve, guto.

Se for pra virar dia na escola, se for pra virar congresso de terninho, paro pra ontem.

vida é vida, e poesia é a mesma coisa.

Maria Cintia Thome Teixeira Pinto disse...

O escritor é aquele que nao teme palavras...vai em frente com a dor e se alegra quando se encontra consigo mesmo...ou chora...
Guto Leite é Guto Leite
bj

Felipe Vasconcelos disse...

Guto,

Obrigado pelo seu comentário, foi muito gentil. Acho que compreendo melhor agora o que você chama de clássico. Desculpe a demora a responder; estive fora.

Você tem outros livros além do "Poemas lançados fora"?

Abração!

Felipe Vasconcelos disse...

E Guto, muito obrigado pelo comentário longo (que é generosidade). Não sei quanto a todos, mas eu gosto de ler poesia, de escrever poesia e de falar de poesia (por que não?). Às vezes sinto um patrulhamento ao comentário, como se fosse um sacrilégio ao bom poema. Ora, o bom poema é que vale a pena ser comentado, criticado. Além do mais, não é por todo canto que podemos encontrar poetas dispostos a compartilhar suas experiências, suas ideias, suas angústias, seus erros. E por tudo isso eu lhe agradeço.

Ficar comparando o que é melhor, poema ou comentário, é misturar as coisas. Um não tem nada a ver com o outro.

Outro abração!

Guto Leite disse...

Agradeço muito os comentários! É boa mesmo esta conversa... me fez pensar, rever, confirmar, sentir. Que graça boa, no fim, é viver! Abraço a todos