sábado, 23 de fevereiro de 2019

Mariana, Brumadinho e Pompeia

Em meu segundo livro, Elefante, publicado em 2013, escrevi uma série de poemas, todos girando em torno do mesmo tema: a possibilidade do homem permanecer na Terra, extrapolando as limitações de sua breve existência.

Em cada poema especulo sobre uma possibilidade de permanência. Por exemplo, há um poema sobre o homem que permanece por causa de sua fama (sobrevive ao tempo o seu nome e a sua obra); há um poema sobre aquele que permanece mumificado (as crianças incas, as múmias egípcias); há um poema sobre o homem que permaneceu criogenado e que foi encontrado nas montanhas por um grupo de alpinistas, etc e etc...

Um poema em particular me veio a mente um dia desses. Trata-se de um poema sobre os homens de Pompeii, Herculaneum e Stabiæ, que permaneceram, após a morte, petrificados pela lava do vulcão Vesúvio. Hoje resolvi inserir na obra os homens que permanecem – após a morte – soterrados em Brumadinho e Mariana.

No dia que a catástrofe ocorreu – esse crime monstruoso perpetrado pela Vale – me ocorreu uma relação próxima entre esses casos.

Segue o poema, atualizado:




2 – Cemitério de pedras
    b) Pompeii, Herculaneum, Stabiæ, Brumadinho e Mariana
      Lá no alto, o albatroz se mantêm imóvel no ar
                      Echoes, Pink Floyd

Estão guardados
por Hēphaistos                                                  [Ήφαιστος]
ou O Coisa,
do Quarteto Fantástico

Onde a terra vomitou as entranhas   [Dispepsia aguda]
expondo sua congestão              [rochas ígneas extrusivas]
(todo bicarbonato do mundo                 [NaHCO3]
não aplacaria a sua fúria)                               

São milhares de homens
eternizados pelo magma                         [Vesúvio]           
ou pela lama                                           [Vale]
estranhas crisálidas de rocha           [fluxos piroclásticos]
entregues à excursões turísticas
– numerosas & ruidosas –
e seus milhares de olhos digitais

Onde talvez (pouco
se sabe) em outras camadas
se escondam outros fósseis –      [Mammuthus lamarmoræ]
vítimas de semelhante cataclismo        [Kατακλυσμός]
          em outro Æon                             [Farenozóico]

Guardados, como em uma maldição,
sob a pena de possuírem um sono leve
debaixo de pálpebras de pedra


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