terça-feira, 12 de abril de 2011

Carnívoro

Uma linha cinza cobria o céu
Olhando a parca luz que descia,
não distinguia com exatidão
os arbustos, as casas ou pássaros.
Transeuntes em borrões
se transmutavam.

Seu rosto descolava.
Sua pele pendurada
revelava o torpor
de haver uma identidade.

Seu sangue manchava
todo meu corpo
que em agonia tremia.

Lambia sua carne exposta.
Seu gosto me corrompia.
.
De soslaio olhei o espelho.
No seu reflexo:
a humanidade.
Já que a essência desta espécie
de meu ser,
do teu,
do nosso,
do vosso é extraída.

A maldade me engolia.
Comovido, o sal de minha face
como mar ardia.

Falava desgastadas silabas.
Não sabia se a amava ou a comia.

4 comentários:

Quintal de Om disse...

O tempo, Sergio, é o meu carnívoro diário. Meu predador que sangra minhas horas, meus olhos e ainda come meu coração.

Gistei do seu texto, super forte e imponente!

Meu beijo.
Samara Bassi.

Francisco Coimbra disse...

«A maldade me engolia./ Comovido, o sal de minha face/ como mar ardia.», euforia em apoteose! A este comentário, juntar mais uma passagem registada «o torpor/ de haver uma identidade.»
O poeta, autor, não sei se não resistiu, se o fez incólume, certo é convocar os leitores a irmanarem-se com ele «de meu ser,/ do teu,/ do nosso». Transformado em oficiante “Carnívoro”, dum espécie capaz de, chegado aos píncaros, terminar a sua composição: «Falava desgastadas sílabas. / Não sabia se a amava ou a comia.»
Não se vislumbra aceitação, nem conformidade com «desgastadas sílabas», menos um desconhecimento ou hesitação: «a amava ou a comia»? É um exercício de encenação, virado para o excesso e a estranheza, duma “euforia em apoteose!”
Também eu fecho este texto, como se ele fosse detentor da verdade. Afinal, o que este poema nos dá a suspeitar e sugerir! É uma obra que não pede conclusões, nela caminhamos sobre pistas, verso(s) de palavras.
O facto de toda a realidade nos desafiar à objectividade, a encontrar a idade aos objectos com que nos deparamos, paramos neste limiar: daqui se contemple o que nos é dado a contemplar! Entre o excesso e a carência, a coerência é um belo exercício, para procurar a beleza? A beleza é a coerência, a procura que (se) encontra. Parabéns por um texto poético, forte e verdadeiro: capaz de coar a essência…

Sergio Kroeff Canarim disse...

Sam, o tempo é aquilo que torna possível a vida daquilo que é finito e se move tanto no espaço como no próprio tempo. Nossa dádiva de haver mudança, nosso algoz de haver um fim. Um beijo.
Francisco, interessante suas análises. Quanto a essência ser extraída de mim, de você e todo humano é totalmente intencional. Já que essência é aquilo que há em comum numa espécie, importante suficiente para ser necessário e definidor da identidade da mesma. A violência, a volúpia, a insânia, a razão, a intuição, a mística, o inconsciente, a imaginação. São todas propriedades desse tal homo sapiens finito e histórico.
Gostaria de uma crítica sua no meu blog. Nunm poema muito mais enigmático que acabo de postar. Ficaria feliz com sua perspicácia por lá. Abraço, meu caro. e segue o link: http://existenznoexistenz.blogspot.com

BAR DO BARDO disse...

Salivamos...