sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

TRÊS POEMAS PARA PAUL CELAN


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Disjunção
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Às vezes começo a lembrar
daquilo que sugere
uma certa tarde nas dunas
de abóbadas alaranjadas
num fim de tarde
------------------com pombos
------------------e folhas arrastadas
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de manhãs de sol com crianças
------------------lambuzadas de frutas
e de uns estalidos de velhos que mascam a língua
sob o chapéu
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De repente tudo pára
:
uma senhora
( um gato )
atravessa
o pátio
sem qualquer cerimônia
e arremessa minhas visões
para nenhures
*
para além
-----------de
-----------um
-----------poço
-----------cavado
-----------jamais
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Apnéia
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A tarde acorrentada
a um cano de torneira
e a noite mouca
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À manhã
nem me ouso referir
: a claridade ofusca
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Uma dama sentada à sombra
embala o vento que me foi roubado
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O Louco
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( Dedicado também a Michel Foucault )
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... e vagava
pela medula da própria alma
exilado
corporificado em água e polpa
como as entranhas de um coco
que se encarceram
na fibrosa intransigência
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Nos bolsos
pensamentos ferviam-lhe
como besouros no guano
*
idéias vertiam
dos canais lacrimais pródigos em vida
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e, se no escuro
tinha consciência
das próprias pústulas
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no claro
era branco como giz
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Talvez soubesse das coisas
*
Talvez guardasse a chave
das grandes verdades
*
pois enquanto muitos se mataram
na larica de viver
---------------ele banqueteou
em seu casulo de fibra
sem ter que se morrer
*
e nos dias úteis da semana
quando as pulgas se vestiam de gala
e entoavam recitais com pompa de barão
ele dançava [ mas não ouvia ]
*
E ria
*
*
Autor: Assis de Mello
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13 comentários:

Débora Tavares disse...

Gostei muito das duas primeiras estrofes de "Disjunção". Belas imagens, bela linguagem.

Abs
Débora

Graça Pires disse...

Quero agradecer por me ter indicado para fazer parte deste blogue. Só por falta de tempo não aderi, mas sinto-me lisongeada. A ideia é muito interessante. Venho aqui todos os dias.
Quanto aos poemas, são bem ao seu estilo sensível, meu amigo.
Um beijo.

Maria Cintia Thome Teixeira Pinto disse...

Disjunção...Lembrei-me das claras de ovos das manhãs no mar...e a mulher que observa...uma Clarice Lispector, talvez... e aí vem dos 'canais lacrimais pródigos em vida' de uma exilada...talvezeu, talvez uma sã demais ou a própria Louca...
Parabéns. Mastigo cada palavra!

Anônimo disse...

Muito belo, Assis (ou, se preferes, Chico)!!!
"...dunas de abóbadas alaranjadas
num fim de tarde..." Maravilhoso! E ainda dizem que uma imagem vale mil palavras! Eu ainda prefiro as palavras... PARABÉNS! JR - BloGenérico.

Barone disse...

Belíssimo.

Felipe Costa Marques disse...

Que trindade dasvirginada!
Parabéns!

Adriana Godoy disse...

Belos poemas, Chico. Sempre ligados, de uma forma forte à natureza. Parabéns.

Guto Leite disse...

Impressionantemente lírico. Poemas caminham perto da prosa até rasgar um verso grande que joga o comum pro alto. Belos poemas

Beatriz disse...

Dose e tanto de poesia aqui. Versos cheios, pródigos em imagens de(a) vida. Natureza pulsa nestes poemas.

Joe_Brazuca disse...

Disjunto, apnéico, louco...
exuberante !

L. Rafael Nolli disse...

Achei muito interessante um jogo entre claro & escuro, uma certa oposição entre noite & dia trespassando os três poemas.

flaviooffer disse...

Muito bom mesmo! Poemas regados de sensações. Tríade perfeita, praticamente um acorde!!!

valéria tarelho disse...

Maravilhosa "trindade" ! Apnéia me tirou o ar!

Tenho um parceiro em outro blog que também é zoólogo...já vi que os "zoopoetas" são todos feras!

Agradável leitura!!!