segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

ELEGIA DIVIDIDA

Queria não ter para falar
Essa voz

Grave

Endurecendo
O sentido de cada

Palavra

Não quero fraturar o futuro
Quando escrevo:

Passam as horas
E vivemos sempre o mesmo

Tempo

Não quero que pensem
Que a vida não é boa

É linda mesmo que doa
Em seu sentido de pedra

Na janela

É bela justamente
No que esconde

Quando não explica a fome
Quando derrama sangue

Sem razão

É linda no choro
Falso e público

De uma tragédia privada
Televisionada

É linda

Quando uma última palavra
Não diz nada

Quando um homem se mata
Sem deixar bilhete

Ou razão aparente

É bonita
Quando alguém não acredita

E mesmo assim
Ama, grita e chora

E ignora os fatos

E se engana repetindo alto
Uma mentira
Que vira

Verdade

Só para que o peito se acalme
(a verdade não é para os covardes)

É bela
Na fragilidade
De precisar da eternidade

Para suportar esse segundo

Esse
Que agora
Mora

Na palavra anterior

E que é sempre
Um lembrete

Da morte

A vida é linda
Quando tudo isso
Que te digo

Perde o sentido
Em um beijo

E só precisamos
De uma língua
De um seio

De uma cama

De um gemido
De bicho

Para esquecer
Que somos

Humanos

E que isso
É estar à margem

Sofrendo na linguagem.


Everton Behenck

14 comentários:

Adriana Riess Karnal disse...

Sim, sofremos com a linguagem.

flaviooffer disse...

Belo poema!
A vida realmente

"É bela
Na fragilidade
De precisar da eternidade"

pra se fazer concreta e cheia de sentido!

Abraço!
Paz e Poesia!

Felipe Costa Marques disse...

Diva, e divino...
dividi...
o amor com
labor lingual.
Paz!

valéria tarelho disse...

na ponta da língua viva: a lâmina morte, que a todos sal[i]va e a vida que nos lambe uma ferida que sangra e cicatriza.

acompanho via feed o "apesar do céu". leitora assídua (e assumida).

belas palavras!!!

Anônimo disse...

Vim babar!
Lindo, como sempre!
Bela estréia!
Beijo grande... na alma!

L. Rafael Nolli disse...

Da primeira a última linha: muito bom.

Victor Meira disse...

É simpático.

Barone disse...

Estílio muito próprio, quem conhece os poemas do Everton logo reconhece a forma. Boa estréia.

Beatriz disse...

Prmeira leitura e segui a corrente de vida na ponta da língua. Língua Roubada de Canetti/ Lembrei da ciranda de sons e acentos das linguas diversas da linguagem que aqui faz dobra e desdobra e volta e causa vertigem.
Belo!

rogerio santos disse...

belíssimo texto.

Animal !!

Abraços
Rogerio

Guto Leite disse...

Este é meu preferido, parceiro! Mescla momentos aparentemente neutras com versos lancinantes, grandes imagens e reflexões afiadas! Grande abraço

Joe_Brazuca disse...

de um realismo marcante...
Cosntrução exemplar !
Bom !

Julia Duarte disse...

Muito bom! Adoro te ler .-)

Tenório disse...

Genial!